Ao longo da história, a palavra  ética adquire contornos mutáveis, utilizados para satisfazer  necessidades psicológicas, sociais e econômicas e que variam de acordo  com o tempo, o lugar e mesmo a consciência de cada um. Nos últimos  tempos, a palavra ética virou moda. Serve para justificar a consciência  do bandido, serve para manipular e cercear a liberdade de pensamento,  serve para criticar os que ousam ser diferentes, da mesma forma que  serve para orientar os padrões de comportamento. É possível que mais  abrangente que a ética seja mesmo a consciência, esta sim, interior, mas  que, ao evoluir, define também os padrões coletivos.
Oportuno lembrar o que disse  Berthold Brecht sobre os tempos sombrios: “Mas como é que posso comer e  beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de  água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu  continuo comendo e bebendo”. Verdade! O ser humano é assim. Tem na  hipocrisia seu grande escudo e na ética a sua defesa. Esquece-se que é  apenas humano e a dissimulação é seu privilégio. As pessoas reagem  quando são contrariadas em seus interesses e, nesses casos, os enredos  de telenovelas são pequenos diante da destrutividade dos próprios  pensamentos, pois ao negar a sombra, dão-lhe força para ser surpreendido  por ela.
A democracia começa pelo  exercício de reconhecer que não existe luz sem sombra e é do equilíbrio  entre os dois polos que se desenvolve a sabedoria e a justiça. Essas  correntes ideológicas são melhores percebidas quando se ocupa um cargo  público. São oportunidades raras de compreender que não existe alguém  totalmente bom ou totalmente mau, mas todos vítimas das circunstâncias,  que nem sempre passam pelas próprias definições. A oposição existe  porque existe a situação e esse contexto é tão dinâmico quanto a roda da  fortuna nas cartas do tarô; qualquer momento ela gira e as posições são  trocadas. A satisfação das necessidades humanas é uma fonte de prazer; a  sua frustração ou abuso, uma fonte de sofrimento. Agir democraticamente  é permitir que toda a sociedade se conscientize de que os conflitos  podem ser resolvidos pelo diálogo, estreitando as diferenças de maneira  pacífica, criando suas próprias organizações e aperfeiçoando os  mecanismos do Estado de forma que o cidadão abra mão, sem se sentir em  desvantagem, do direito individual em prol dos interesses maiores da  coletividade.
O sentimento coletivo, ao  contrário das vozes isoladas, é a força capaz de gerar mudanças. Assim, a  cultura cumpre o seu papel quando coloca o ser humano como meta para as  suas ações. Pela cultura o homem tem contato com sua luz e sua sombra,  mas sabe reconhecer o belo na escuridão. Lapida a alma, refina o gosto,  expressa a sua interioridade, reconhece-se espontâneo, folclórico,  sensível, menos denso – ainda que solitário –, mas as mudanças só  acontecem quando são solicitadas pela coletividade.
Portanto, democracia é conviver  com as diferenças, respeitando-as e promovendo as transformações  necessárias em função do bem-estar comum e não de clamores solitários. A  opinião pública pode se perder no jogo de palavras da mídia, do factual  e superficial, ser reduzida por frases de efeito e ter o tempo  encurtado para expressar uma ideia complexa; o mundo instantâneo que se  vive hoje pode até atrapalhar essa reflexão, colocando questionamentos  na vida participativa e associativa, mas dificilmente vai substituir a  verdade. A cultura em uma sociedade democrática se constrói a partir das  oposições que lhe permitem uma reflexão dialética da sua identidade.
Fraternalmente!
Paz Profunda!
 

 
