quarta-feira, 4 de maio de 2011

Reflexões que lapidam a alma


Ao longo da história, a palavra ética adquire contornos mutáveis, utilizados para satisfazer necessidades psicológicas, sociais e econômicas e que variam de acordo com o tempo, o lugar e mesmo a consciência de cada um. Nos últimos tempos, a palavra ética virou moda. Serve para justificar a consciência do bandido, serve para manipular e cercear a liberdade de pensamento, serve para criticar os que ousam ser diferentes, da mesma forma que serve para orientar os padrões de comportamento. É possível que mais abrangente que a ética seja mesmo a consciência, esta sim, interior, mas que, ao evoluir, define também os padrões coletivos.


Oportuno lembrar o que disse Berthold Brecht sobre os tempos sombrios: “Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo”. Verdade! O ser humano é assim. Tem na hipocrisia seu grande escudo e na ética a sua defesa. Esquece-se que é apenas humano e a dissimulação é seu privilégio. As pessoas reagem quando são contrariadas em seus interesses e, nesses casos, os enredos de telenovelas são pequenos diante da destrutividade dos próprios pensamentos, pois ao negar a sombra, dão-lhe força para ser surpreendido por ela.


A democracia começa pelo exercício de reconhecer que não existe luz sem sombra e é do equilíbrio entre os dois polos que se desenvolve a sabedoria e a justiça. Essas correntes ideológicas são melhores percebidas quando se ocupa um cargo público. São oportunidades raras de compreender que não existe alguém totalmente bom ou totalmente mau, mas todos vítimas das circunstâncias, que nem sempre passam pelas próprias definições. A oposição existe porque existe a situação e esse contexto é tão dinâmico quanto a roda da fortuna nas cartas do tarô; qualquer momento ela gira e as posições são trocadas. A satisfação das necessidades humanas é uma fonte de prazer; a sua frustração ou abuso, uma fonte de sofrimento. Agir democraticamente é permitir que toda a sociedade se conscientize de que os conflitos podem ser resolvidos pelo diálogo, estreitando as diferenças de maneira pacífica, criando suas próprias organizações e aperfeiçoando os mecanismos do Estado de forma que o cidadão abra mão, sem se sentir em desvantagem, do direito individual em prol dos interesses maiores da coletividade.


O sentimento coletivo, ao contrário das vozes isoladas, é a força capaz de gerar mudanças. Assim, a cultura cumpre o seu papel quando coloca o ser humano como meta para as suas ações. Pela cultura o homem tem contato com sua luz e sua sombra, mas sabe reconhecer o belo na escuridão. Lapida a alma, refina o gosto, expressa a sua interioridade, reconhece-se espontâneo, folclórico, sensível, menos denso – ainda que solitário –, mas as mudanças só acontecem quando são solicitadas pela coletividade.


Portanto, democracia é conviver com as diferenças, respeitando-as e promovendo as transformações necessárias em função do bem-estar comum e não de clamores solitários. A opinião pública pode se perder no jogo de palavras da mídia, do factual e superficial, ser reduzida por frases de efeito e ter o tempo encurtado para expressar uma ideia complexa; o mundo instantâneo que se vive hoje pode até atrapalhar essa reflexão, colocando questionamentos na vida participativa e associativa, mas dificilmente vai substituir a verdade. A cultura em uma sociedade democrática se constrói a partir das oposições que lhe permitem uma reflexão dialética da sua identidade.


Fraternalmente!


Paz Profunda!