Por: Fábio Trad (*)
Um dos fundamentos utilizados para racionalizar com foros de legitimidade a tese da descriminalização do uso de drogas
ancora-se na filosofia de John Stuart Mill para quem a sociedade não
poderia ter qualquer jurisdição sobre as condutas que dissessem respeito
às próprias pessoas, isto é, condutas cujos efeitos se exaurissem nas
próprias pessoas que as praticaram.
Acaciana a constatação de que o uso de drogas prejudica a própria
pessoa que usa. A questão, porém, é menos simples: é que o Brasil
criminaliza a conduta de quem pratica o tráfico das mesmas drogas cujo
uso pretendem descriminalizar.
Logo, o consumo de drogas não é daquelas condutas que dizem
respeito apenas a quem as consome, uma vez que o consumo pressupõe a
sua aquisição e esta é danosa à coletividade como conduta criminosa
equiparada aos hediondos delitos.
Ao adquirir para o próprio consumo, fomentam-se o tráfico e todas
as suas violentas manifestações laterais (organizações criminosas,
lavagem de dinheiro,
corrupção, etc) de forma que, no mínimo, inadequada a invocação de
Stuart Mill como suporte filosófico a estruturar a tese
descriminalizatória.
Outro argumento, este mais sofisticado, da mesma corrente
descriminalizante, sustenta que a intervenção do Direito Penal é
imprópria para a contenção desta modalidade comportamental porque traz
consigo o efeito da estigmatização e os malefícios do encarceramento,
quando, em verdade, necessitam de retaguarda médica.
Concordo que o dependente não deva ser submetido à severidade do
sistema penal, razão por que defendo que em relação a estes prevaleça o
tratamento médico e jamais a prisão. Ocorre que sem normatização
proibitiva que assegure ao Estado o direito de punir os usuários
não-dependentes, não há instrumento legal que possibilite aferir a
dependência dos demais usuários. O Direito Penal e o processo penal,
portanto, são as única vias capacitadas para distinguirem os que devem
ser criminalmente punidos daqueles que devem ser submetidos à tratamento
médico.
Aferida a dependência, o Estado responderá medicamente, mas em
virtude da intervenção penal; não constatada a dependência, o arsenal
punitivo deve ser acionado para reprimir a conduta. A estigmatização
derivada da mediação penal pode ser minimizada ou anulada por disposição
legal que obrigue o Estado a deferir e possibilitar, em caráter
liminar, a realização de exame toxicológico no usuário antes que
qualquer medida cautelar supressiva de liberdade lhe seja impingida.
Certo, ninguém é obrigado a se auto-incriminar, óbice à adesão
voluntária ao exame. Neste caso, porém, o refratário, por sua decisão,
avaliza o impulso processual penal com todas os desdobramentos que
encerra, de forma que não se poderá atribuir ao Estado o protagonismo da
estigmatização.
Interessante observar que, exceto nos casos de procura espontânea
ou voluntária do dependente aos centros de atendimento psicossocial, a
visibilidade pública dos dependentes perpassa o sistema penal, porque o
uso, no primeiro momento da percepção estatal, é transgressão à lei.
Sem tergiversar, porque o tema requer objetividade: o discurso da
descriminalização do uso de drogas para consumo próprio carrega em seu
ventre a potencial descriminalização do tráfico com a conseqüente
estatização da produção e distribuição de drogas para os usuários
mediante normatização de todas as etapas, inclusive, identificação de
usuários. A estratégia política é facilmente assimilável e precisa ser
amplamente conhecida e debatida por toda a população.
Demonizar o discurso da descriminalização é um erro capital
que só nos afastará de conclusões razoáveis. A pauta requer menos
militância apaixonada e mais racionalidade nas ponderações. Discutamos,
pois, sem preconceitos as questões mais graves que sombreiam o tema:
a) A propalada derrota do Estado no combate às drogas justificaria a descriminalização?
b) Eventual descriminalização estimularia novos e potenciais consumidores?
c) Qual o cenário de uma sociedade cujo Estado patrocinasse a
regulamentação da produção, da distribuição e do consumo de drogas?
d) O tráfico ilícito desapareceria com o tráfico lícito?
e) O perfil da criminalidade e da clientela do sistema prisional
brasileiro sofreria impactos positivos ou negativos à sociedade?
f) O sistema econômico, cultural e social que dita os padrões de
pensamento e comportamento atuais os dias induz as pessoas ao uso de
substâncias que alteram o funcionamento normal da mente? Sendo positiva a
resposta, como reagirmos a esta tensão no caso de se descriminalizar as
drogas?
g) E a fabricação de drogas cada vez mais agressivas e deletérias
aos seres humanos, deverão também ser incluídas na lista daquelas
isentas de proibição penal?
Nosso mandato está aberto a estas relevantes questões que se
relacionam diretamente ao seu presente e ao futuro de quem você ama.
Portanto, mãos à obra e encaremos logo a dura realidade deste problema!
(*Fábio Trad, advogado, excerce mandato de deputado federal pelo PMDB-MS)