segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Atuação Infeliz, Falta de Capacitação e Gerenciamento de Crises

Violência e Impunidade da Polícia Militar -
Críticas e Sugestões

(Comentários ao Cap. III do "Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos")


Neste quadro, a violência policial tornou-se assunto de um relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O relatório possui dez capítulos, dos quais o mais longo (cap.III ) trata do tema citado. Dada a importância do assunto, e do interesse geral que normalmente suscita, escolhemos este tema para uma pequena análise, dentro de um enfoque diverso. Por ter notado que o relatório não buscou os argumentos das polícias, nem analisou o problema com a profundidade e isenção que merece, procuramos aqui trazer alguns elementos que possam esclarecer melhor a questão, numa visão ‘de dentro para fora’. Evidentemente a preocupação de proporcionar uma polícia mais humana e cidadã, é salutar, mas temos percebido que esta bandeira tem acobertado uma velada manobra de desmoralização dos órgãos policiais, ao restringir a óptica a fatos negativos, quando os positivos são de longe mais numerosos.

Visão Geral do Relatório


O relatório está dividido em quatro partes, cada uma delas apresentando o problema em tópicos: a parte "A" trata do tema Violência e Impunidade Policial, começando por apresentar o problema como atinente às forças de segurança brasileiras em geral - Polícia Federal, Polícia Civil Estadual e Polícia Militar Estadual - passando em seguida a concentrar as atenções nas forças militares estaduais. Traça em rápido quadro estrutural da Segurança Pública em nível nacional, externando a competência constitucional de cada força.

Ainda na parte "A" o relatório passa a demonstrar o quadro da violência policial, especialmente ligada às Polícias Militares, em todo o território nacional, apresentando, como informações, estatísticas de homicídios de 1994 que atribuem 8% às polícias militares e 4% a "esquadrões da morte". Fala-se de execuções extrajudiciais e de atuação indulgente da Justiça Militar.

Passa-se a uma crítica do caráter militar das Polícias Militares, atrelando tal caráter a uma seqüela do Regime Militar, atribuindo-lhe, por conseqüência, a responsabilidade pela atuação violenta da Polícia.

Atribui à Polícia Militar abusos de toda ordem, bem como atuações preconceituosas onde negros, pobres, desempregados e crianças de rua, são o alvo principal. Chega-se a dizer que as autoridades policiais incentivam e apoiam publicamente tais abusos. Toca-se também na questão da confiança e credibilidade tributada pela população às PPMM, mostrando insegurança daquela em relação a estas.

Por fim, trata a parte "A" da dificuldade de investigação desta violência policial, atribuída a um corporativismo "interna corporis", e à "lei do silêncio" que vigora entre as testemunhas. Também fala da lentidão do processo e "da desconfiança da população". Termina a parte "A" apresentando as iniciativas dos governos estaduais, e da própria União, visando a redução da impunidade e da violência.

A parte "B" cuida dos esquadrões da morte e grupos de extermínio. Seriam equipes constituídas por antigos oficiais da Polícia Militar, com o fim de combater o crime e "fazer justiça". Tais grupos são compostos por policiais da ativa, ou expulsos, e por organizações criminosas envolvidas ou não no tráfico de entorpecentes.

O alvo de tais grupos são adultos e crianças envolvidos com o mundo do crime ou considerados uma ameaça social. Procuram impedir o aumento da criminalidade e a multiplicação de pessoas consideradas indesejáveis. Os grupos muitas vezes estão ligados a políticos e agem impunemente. O relatório atribui a existência de tais grupos à ineficiência policial e ao descrédito da Justiça junto à população quanto à Justiça. O próprio relatório, ao analisar casos de linchamento, desmente este fato ao concluir que a eficiência policial foi responsável pelo impedimento de 54% de 2/3 dos casos avaliados.

A parte "C" trata exclusivamente da impunidade policial. Apresenta os sistemas de controle interno e externo das corporações - Corregedorias, Ouvidoria da Polícia/SP, Ministério Público Militar e Comum, Justiça Militar - dando especial ênfase à Ouvidoria criada em São Paulo, órgão complementar da polícia, dirigida por um representante civil e destinada ao controle externo da PM. Salienta que coincide com a sua criação, a queda do número de mortes causadas por policiais militares. Existem outros órgãos de controle, que não são mencionados pelo relatório, e que no entanto são mais eficazes e expressivos; serão abordados adiante.

Quanto à Justiça Militar, esclarece sua competência - processar e julgar os integrantes das PPMM acusados pela prática de crimes militares -, seus princípios - hierarquia e disciplina - , sua normatização, e a recente transferência de competência para a Justiça Comum dos crimes dolosos contra a vida. Os TJMs Estaduais foram criados pela Emenda Constitucional nº 7 de 1977, sob a égide do regime militar; conforme o relatório da Comissão esta mudança é responsável pelo aumento da criminalidade policial, bem como pela sua impunidade.

A Comissão classifica a Justiça Militar como "foro de exceção", salientando que a Constituição Federal de 1988 ratificou tal "foro de exceção". Passa então a esclarecer a estrutura de julgamento: na 1ª instância constitui-se em uma auditoria composta por um Conselho; tal Conselho é integrado por quatro oficiais e um juiz togado. Se verá adiante que esta estrutura é muito semelhante à do Tribunal do Júri, possuindo a mesma filosofia, que nada tem de atentatória, antes visa garantir uma Justiça mais perfeita e completa. Fala-se da lentidão da Justiça Militar - que nisto nada difere da Justiça Comum - apresentando como motivos o excesso de trabalho, a escassez de juizes e fiscais, a excessiva formalidade dos procedimentos e dos incidentes dilatórios - motivos idênticos aos que causam a lentidão da Justiça Comum.

O relatório acredita que os TJMs são indulgentes e geram impunidade nas PPMM, o que favorece o crescimento da violência policial. Fala-se de inquéritos parciais, mal elaborados, com poucas diligências o que dificulta mais ainda o prosseguimento dos processos, fato que não corresponde à verdade. No Estado de São Paulo, Integrantes do Ministério Público Comum têm se manifestado no sentido de que os Inquéritos da Polícia Militar são em regra minuciosos e bem elaborados; outrossim a Corregedoria da Polícia Militar e o Ministério Público Castrense exercem rigorosa fiscalização sobre os procedimentos investigatórios.

Apresenta-se o projeto de lei do Deputado Hélio Bicudo, que pretende que os Policiais Militares deixem de ser considerados militares, e passem a ser julgados pela Justiça Comum para todo e qualquer crime. E termina abordando as mudanças do Código Penal Militar e apresentando críticas.

A parte "D" do relatório apresenta as conclusões e sugestões, em grande parte aplicados, constantes do Programa Nacional de Direitos Humanos tais como: a) incluir nos cursos das academias policiais, matérias específicas relacionadas com o respeito aos direitos humanos; b) criação de corregedorias; d) instauração de processo apuratórios de imediato e afastamento das atividades de policiais acusados de violação de Direitos Humanos. Outras sugestões estão ainda em projeto, mas sua implementação é próxima.





Gostaríamos de trazer a colação algumas informações importantes para a abordagem que se pretende.

Primeiramente, é elementar a noção de que cada organização policial é peculiar da comunidade em que está inserida, não se podendo avaliar o instituto "Polícia Militar" pela somatória de dados das diversas milícias estaduais, nem comparar o nosso modelo de polícia com o de outros países, ou mesmo estabelecer paralelos entre as PPMM dos Estados. A atividade de polícia está visceralmente ligada às condições socio-econômicas-culturais de cada grupo onde se desenvolve. Vejamos, portanto, o problema sob o seguinte enfoque: 1. "Quem é o policial?"; 2. "Quem é o destinatário da atividade?; 3. "Qual o tipo de delitos enfrentados?".

O policial será sempre, via de regra, alguém pertencente à comunidade, com os hábitos, os costumes, as referencias políticas, a cultura, etc., idênticos aos de seus concidadãos. Neste sentido o policial de São Paulo não pode ser comparado ao de Pernambuco, e vice-versa. Não é novidade que o Brasil é um país de contrastes, especialmente econômico-culturais.

Por outro lado o destinatário da ação policial possui características próprias de sua região, e, como a lei penal é igual em todo o território nacional, um indivíduo reage perante a norma de forma diversa do que outro indivíduo de outro Estado ou região. Na medida em que nos afastamos do Sul e Sudeste do país, a noção de legalidade torna-se mais tênue e as relações interpessoais apresentam maior grau de pessoalismo, o que torna a corrupção mais fácil, e a violação de direitos humanos, mais banalizada ou mesmo aceita. Os delitos também mudam conforme se altera o segmento social analisado ou a região abordada. Em grandes metrópoles a ocorrência de crimes de alta complexidade e gravidade, é mais freqüente, bem como a ação de grupos organizados torna-se bastante sofisticada; já em regiões com menos recursos , muito provavelmente, tais delitos nunca serão notícia de jornal.

Por estas razões o tema ‘Violência Policial’, tratado no Relatório, não poderia jamais abranger todas as organizações do Brasil, generalizando dados e fatos. Cada Polícia Militar, de cada Estado, é uma polícia diferente, com características próprias, com uma realidade própria, com um contingente peculiar, com uma situação interna diversa; igualmente cada Estado possui problemas próprios, tipologia urbana própria, e um peculiar modo de tratar suas polícias. Justamente por isso que, a partir deste ponto, passo a restringir o enfoque deste ensaio à Polícia Militar do Estado de São Paulo, a fim de que se possam realizar considerações realmente consistentes a respeito do problema.

Antes porém, gostaríamos de abordar a questão da falta de confiança da população apresentada no relatório. Não é difícil de notar que a citada desconfiança precisa ter fundamentos claros: ninguém desconfia pura e simplesmente. Vamos enfocar nossa realidade - Estado de São Paulo. Em nosso Estado a Ouvidoria da Polícia Militar, órgão enaltecido pelo relatório, produz anualmente um anuário estatístico trazendo dados de toda ordem, em números e avaliações. Conforme este anuário, no ano de 1996, último a ser analisado, somente o Centro de Operações da Polícia Militar - órgão que atende as chamadas pelo telefone "190" na cidade de São Paulo - atendeu e gerou 759.775 ocorrências. Destas, conforme avaliação feita pela ouvidoria, 255.688 tiveram atendimento classificado como ‘muito bom’ pelos usuários; 451.980 ocorrências foram classificadas como ‘boas’. Verifica-se, pela avaliação da própria população, que mais de 90% do atendimento realizado pela Polícia Militar na Cidade de São Paulo é, no mínimo, bom.

Acreditamos que estes dados já são suficientes para mostrar a superficialidade daquilo que é apresentado pelo relatório como sendo algo gritante . Mas gostaríamos de juntar ainda outro fato notório e claríssimo. A crítica feita às Polícias Militares é claramente ideológica; não é científica. A desconsideração de um dado básico, elementar, como o caráter regional de cada polícia já o demonstra. Mas junte-se a isso, o fato da arrasadora propaganda negativa que os veículos de imprensa fazem das PPMM, ignorando sempre, e sistematicamente, inúmeros casos de heroísmo, exemplos de honestidade, de formação sólida, de atuação estritamente legalista dos homens das PPMM. Ainda dados extraídos do Anuário Estatístico da Ouvidoria da PMESP: em 1996, 81 policiais militares deram suas vidas no cumprimento do dever; 825 foram feridos em ações policiais; 300 feriram-se em acidentes durante o serviço e 13 morreram em razão destes acidentes.

A imprensa nada ou pouco tratou destes casos; quando deles se ocupou, o fez pejorativamente, ou com tanta discrição, que tais fatos passaram inadvertidos. Em contrapartida qualquer ato, ou ação errônea foi tratado com extremo rigor, onde policiais militares viram seus nomes veiculados sem qualquer pudor, envolvidos em tramas muitas vezes distorcidas, e sem qualquer oportunidade de defesa ou contra-argumentação. Eram tidos como marginais, sem qualquer respeito ao seu direito individual de intimidade, constitucionalmente garantido, expondo inclusive seus familiares ao pleno vexame e à exclusão social.

Com a veiculação de uma crítica tão parcial, por todo o país através dos meios de comunicação, evidentemente a população possui uma base de avaliação plenamente viciada. Como pôde a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ignorar tais fatos? Como poderá subsistir a confiança da população em seus órgãos policiais, diante de uma propaganda desta espécie? As críticas apresentadas não possuem fundamento científico; são meramente ideológicas.

Quando se fala de combate ao crime, quando se trata de atividade policial, não podem prevalecer ideologias, guerras de idéias, individualismos. O crime atinge a todos independentemente de sua convicção política; o instrumento de combate ao crime é a polícia, que deve ser criticada; mas criticada de forma positiva, e não de forma seletiva. A Polícia Militar não é a vilã da história, não está contra a sociedade; busca sim, ajudá-la, como parte da mesma. Por que então organismos tão renomados ignoram princípios tão elementares? Em conseqüência desta mentalidade, vemos atualmente o Estado inferiorizado perante a criminalidade, sem muitas opções de combate. Não é a polícia, mas o crime que tem que ser reprimido.

Veja o excesso de 3° SGT de Brasilia:

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